segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Professor: A personagem trágica da pós-modernidade

Reproduzimos aqui um excelente texto do iminente professor Francisco Araújo: Sociólogo e Cientista Político. Associado da Sociedade Brasileira de Sociologia(SBS) e da Associação Brasileira de Ciência Políitca (ABCP). Professor universitário. Doutor e mestre em Sociologia (UNESP), haja vista que as aulas se reiniciam tanto na rede estadual como municipal.


Com muito pesar tenho que admitir que vejo o professor contemporâneo como a personagem trágica da Pós-modernidade. Por quê? Porque é a profissão que mais é afetada pelos impulsos das transformações em curso.

Tudo que possa existir em termos de deslocamento, fluidez, afrouxamento, descrença pública na ciência, bem como o esvaziamento de sentido, passam pela sala de aula. Não só isso, também o status dessa profissão não encontra mais referência estável, tão pouco positivadas.

O (a) professor (a) é um tipo de profissional cujas responsabilidades e cobranças são multiplicadas constantemente, mas sem um correlato reconhecimento dos seus serviços, sem que haja uma justa remuneração pelo que lhe é cobrado.

Para ser professor atualmente o pretentende tem que ter acumulado um número considerável de títulos que, trocando em miúdo, implica anos e anos de cursos de graduação e pós-graduação. Isto é, muito tempo de vida só para se formar. São 10 anos, no mínimo, para obter o doutorado. Outras profissões com menor grau de exigência intelectual recebem muito mais. Será que vale a pena ir ocupar esse lugar de miséria do professor?

O professor, no exercício de sua docência, tem que, obrigatoriamente, pesquisar, participar de seminários, congressos, simpósios, estudar, fazer extensão, fazer curso de formação continuada, produzir e publicar artigos etc. Além disso, como se fosse pouco, ainda tem que  fazer todos os serviços que outrora eram realizados pelos auxiliares da secretaria. 

A informatização ou automação transferiu mais responsabilidades para o professor, que tem   o dever de cuidar das cadernetas eletrônicas (sistema pedagógico automatizado): digitar nota, digitar falta, digitar conteúdo, digitar plano de aula, digitar prova, produzir aula em powerpoint, digitar texto para transparência etc. É comum o professor levar equipamento próprio para a sala de aula ou para o trabalho de campo.

Essa carga de tarefas traz sofrimentos e desgastes sem nenhum retorno como reconhecimento, respeito e ganho financeiro justo. É uma indignidade a remuneração de um professor se comparada a outras categorias profissionais. 

O professor tem sido, no seu ambiente de trabalho, reduzido e destinado a uma posição secundária. Onde as relações sociais, típicas da profissão, estão assumindo formas estranhas e desfiguradas, sem que ele possa incidir sobre o curso das ações como sujeito, como produto e produtor do processo. 

O docente acaba figurando apenas como “produto”. Pois ele é tragicamente arrastado e lançado nas convulsões da incerteza, das perdas de referências, na fluidez dos valores. Diante de qualquer crise educacional o professor é lançado como o culpado e, como tal,   tem  que ser punido! O grande e único responsável pela tragédia na educação é sempre o professor!

As mãos do poder político e as mãos do mercado o aprisionam em uma pedra para que seja imolado pelos experimentalismos e  pela exigência de produtividade. Os alunos, os pais dos alunos e os pedagogos ajudam acorrentar tragicamente esse ser. Pois, pais e pedagogos querem que ele seja deus e que tudo possa fazer, que tudo possa saber e solucionar. 

O pedagogo acha que sempre tem uma técnica, um recurso a ser aplicado: o que falta é o professor adquirir novas habilidades e competências. Portanto, é só ele ser mais educador e tudo estará resolvido. Os pais querem que o professor, além do seu ofício, assuma as responsabilidades dos pais para seus filhos passem magicamente à condição de pessoas maravilhosas somente com o conteúdo das aulas. Como se as escolas fossem capazes de substituir  as famílias.

Diante dos olhos desses cobradores o professor acaba sendo desumanizado. Como deus ou ser bestial, isto é, acima da condição humana ou bem abaixo dela. Não raro, também é fantasiado enquanto mágico. 

O professor só não é percebido em sua condição humana e de cidadão, que o exercício profissional necessita de garantias mínimas de dignidade: salários, condições de trabalho, recursos etc.

Ao críticos e agentes estatais perceberem que ensino e aprendizagem implicam em relações sociais e disposições de poder, pois os sujeitos envolvidos (professor, alunos etc.)  são portadores de vontades, interesses, limitações, projetos etc. que muitas vezes geram conflitos, dissenções e tensões.  Ninguém ensina nada a quem não quer aprender.

O exercício profissional minimamente digno implica proteger o profissional de humilhações psicológicas, materiais e simbólicas. Essa proteção simplesmente não existe e cada vez mais professores são agredidos e executados por pais de alunos ou por alunos. 
Reconhecer que educação integral não se realiza só com aulas nas escolas é reconhecer que vários são os responsáveis pela educação do ser humano e não só os professores.

Docência é profissão e deve ser tratada igualmente em deveres e direitos, respeitando as especificidades decorrentes desse exercício profissional. O discurso que diz, repetida vezes, que ser professor é uma devoção, doação... é hipócrita e demagógico. Quem vai sustentar e manter a família do professor? Como o professor vai ser competente sem ter como investir no seu aperfeiçoamento? 

Arrumem outro culpado! Professor não é mágico!

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